A
PALAVRA NA FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA 1
Josenildo
Silva de Souza2
Palavras são palavras e a gente
nem percebe
O que disse sem querer e o que deixou pra depois
(Um jeito estúpido de ser - Roberto Carlos)
O que disse sem querer e o que deixou pra depois
(Um jeito estúpido de ser - Roberto Carlos)
INTRODUÇÃO
O presente texto tem como
objetivo fazer uma reflexão sobre a relação linguagem e
consciência a partir dos estudos de Alexandr Romanovich Luria
(1902-1977) que foi contemporâneo de Vygotsky e, com ele trabalhou
no laboratório de psicologia marxista na Rússia desde o início do
século XX até meados do década de setenta do mesmo século.
Trata-se de um resgate das principais idéias desenvolvidas por este
estudioso no livro “Pensamento e Linguagem: as últimas
conferências de Luria”.
Os estudos sobre a relação
entre pensamento e linguagem desenvolvidos nas primeiras décadas do
século XX, por Piaget e Vygotsky, são de fundamental importância
para o entendimento da formação da consciência humana. Nosso
propósito aqui não é fazer um resgate das contribuições desses
autores, confrontá-las e tomar uma posição sobre elas, mais sim,
entender o papel que a palavra exerce na formação da consciência
humana. Ou seja, entender como a aquisição da palavra pelo
indivíduo contribui para formação de sua consciência, que lhe
permite sair dos limites do reflexo imediato sensorial da realidade e
formar capacidade de refletir o mundo em suas relações complexas e
abstratas. O referido trabalho foi elaborado para a disciplina
Fundamentos da Linguagem no Programa PARFOR.
Relação
entre trabalho e linguagem
Para explicar as formas mais
complexas da vida consciente do homem é imprescindível sair dos
limites do organismo, buscar as origens desta vida consciente e do
comportamento categorial, não nas profundidades do cérebro ou alma,
mas sim, nas condições externas da vida e, em primeiro lugar, da
vida social, nas formas histórico-sociais da existência do homem.
O homem se diferencia do animal
pelo fato de que, com sua passagem à existência histórico-social,
ao trabalho e as formas da vida social a elas vinculadas, mudaram
radicalmente todas as categorias fundamentais do seu comportamento.
As origens da consciência
humana não devem ser buscadas nas profundidades da alma, nem nos
mecanismos cerebrais, mas sim nas relações que os homens
estabelecem com a realidade, em sua história social, estreitamente
ligadas com o trabalho e a linguagem.
Segundo Luria, “
a linguagem é um complexo sistema de códigos, formado no curso da
história social”.
O elemento
fundamental deste sistema de códigos que o homem construiu ao longo
de sua história social é a palavra. Ela, “
designa as coisas, individualiza suas características. Designa
ações, relações, reúne objetos em determinados sistemas...a
palavra codifica nossa experiência”
(p.27)
Sobre o nascimento da palavra e
da linguagem na pré-história só é possível fazer suposições.
Contudo, a palavra como signo que designa um objeto, surge do
trabalho, das ações com objetos, e que é na história do trabalho
e da comunicação onde se deve buscar as raízes do surgimento da
primeira palavra
A palavra, nascida do trabalho e
da comunicação por este gerada, nas primeiras etapas da história
encontrava-se estreitamente enlaçada com a prática. Nestas
circunstância, a palavra possuía um caráter simpráxico
e recebia sua significação somente inserida numa atividade prática
concreta.
Para Malinovski, “a
linguagem de alguns povos, que estão num nível baixo de
desenvolvimento cultural, é difícil de entender sem o significado
da situação na qual se pronunciam as palavras dadas”.
Toda história posterior da
linguagem, é a história da emancipação da palavra do terreno da
prática, da separação da fala como atividade autônima e seus
elementos como um sistema autônomo de códigos.
A linguagem como sistema
sinsemântico
é um sistema de signos que estão enlaçados uns aos outros por seus
significados e que formam um sistema de códigos que podem ser
compreendidos, inclusive, quando não se conhece a situação. Toda
história da linguagem consiste na passagem desde o contexto
simpráxico de entrelaçamento da palavra com a situação prática,
até a separação da linguagem como sistema autônomo de códigos.
Sabemos muito sobre a origem da
palavra na ontogênese, no desenvolvimento da criança pequena. O
desenvolvimento linguagem na ontogênese da criança não transcorre
dentro do processo de trabalho. Transcorre, isto sim, no processo de
assimilação da experiência da humanidade e da comunicação com os
adultos.
As primeiras palavras não
nascem dos primeiros sons que a criança emite, mas sim, daqueles
sons da linguagem que a criança assimila da fala do adulto que ouve
.Diferentemente de seus primeiros sons, não expressam seus estados,
mas sim estão dirigidas ao objeto e o designam. Essas palavras,
possuem no início um caráter simpráxico, estão fortemente
enlaçadas com a prática.
Estrutura
semântica e função da palavra
De acordo com Luria,
“a principal função da
palavra é seu papel designativo...uma palavra designa um objeto, uma
ação, uma qualidade, ou uma relação...referência objetal como
função de representação, de substituição de objeto...a palavra
que possui uma referência objetal pode tomar a forma de um
substantivo, um adjetivo, uma preposição, um verbo” (p. 32)
Assim, o homem sem a linguagem,
só se relacionava com as coisas que ele observava diretamente, com
as quais podia manipular. Com a ajuda da linguagem, passa a se
relacionar com o que não percebe diretamente e que antes não
entrava em sua experiência. Assim, a palavra duplica o mundo dando
ao homem a possibilidade de operar mentalmente com objetos, inclusive
na ausência destes.
Da palavra nasce não só a
duplicação do mundo, mas também a ação voluntária. Duplicando o
mundo, a palavra assegura a possibilidade de transmitir a experiência
de indivíduo a indivíduo e a possibilidade de assimilar a
experiência das gerações anteriores. Desse modo, o homem não é
mais obrigado a se dirigir sempre à experiência pessoal, podendo
receber essa experiência dos outros, utilizando a linguagem como
fonte de informação.
Com a aparição da linguagem, o
homem adquire algo assim como uma nova dimensão da consciência,
nele se forma imagens subjetivas do mundo objetivo que são
dirigíveis, ou seja, representações que o homem pode manipular,
inclusive na ausência de percepções imediatas. Isto consiste na
principal conquista que o homem obtem com a linguagem.
Muitas palavras não possuem um,
mas vários significados, designando objetos completamente distintos.
Tais palavras chamam-se homônimos. A polissemia é, antes de tudo,
uma regra da linguagem do que uma exceção. Por sua vez, a
particularização do significado da palavra se realiza por
marcadores semânticos e distintivos semânticos que tornam preciso o
significado da palavra. Suas funções estão determinadas pela
situação, pelo contexto nos quais a palavra está e, as vezes,
pelo tom em que se pronuncia. A palavra quase munca possui uma
referência objetal única, fixa e unissignificativa. Segundo Luria,
“A escolha do significado
imediato da palavra está determinada por muitos fatores, entre os
quais, linguísticos e psicológicos, o contexto concreto da palavra,
sua inclusão em uma situação concreta” (p.34).
A palavra não somente gera a
indicação de um objeto determinado, mas também, inevitavelmente,
provoca a aparição de uma série de enlaces complementares, que
incluem em sua composição elementos de palavras parecidas pela
situação imediata, pela experiência anterior. Tanto o processo de
denominação quanto o processo de percepção da palavra na
realidade deve ser examinado como um complexo processo de escolha
necessário do significado imediato da palavra, entre todo o campo
semântico por ela evocado.
A segunda importante função da
palavra é o seu significado categorial ou conceito. Por significado
categoria ou conceito, Luria entende como:
“a capacidade não apenas de
substituir ou representar objetos os objetos, não apenas provocar
associações parecidas, mas também para analisar os objetos,
substituir e generalizar suas características...introduz em um
sistema de complexos enlaces e relações” (p.36)
A palavra não somente designa
uma coisa, mas também, separa suas características. A palavra
generaliza uma coisa, a inclui em uma determinada categoria, ou seja,
possui uma complexa função intelectual de geralização”. Ao
generalizar os objetos, a palavra converte-se em um instrumento de
abstração e generalização, que é a operação mais importante da
consciência. A palavra não é somente um meio de substituir as
coisas, é a célula do pensamento porque a função mais importante
do pensamento é a abstração e a generalização.
Contudo, a palavra não é
apenas um instrumento do pensamento, mas também um meio de
comunicação. Qualquer comunicação ou transmissão de informação,
exige que a palavra não se restrinja a designar um objeto
determinado, mas que também generalize a informação sobre esse
objeto. A palavra não só separa as características do objeto e
generaliza a coisa, incluindo em uma determinada categoria Além
disso, ela executa um trabalho automático de análise do objeto que
passa desapercebido para o sujeito, transmitindo-lhe a experiência
das gerações anteriores, experiência acumulada na história da
sociedade.
Ao nomear o objeto, o homem o
analisa, e não o faz sobre a base da própria experiência concreta,
mas sim, transmite a experiẽncia acumulada na história social,
relacionada com as funções deste objeto e, assim, transmite o
sistema de conhecimento socialmente consolidados sobre as funções
deste objeto. A palavra cumpre a complexíssima função de análise
ao transmitir ao xperiência formada no processo de desenvolvimento
histórico.
Muitas palavras entram em um
dado grupo semântico visto possuir maior disponibilidade que outras.
Esta disponibilidade explica-se pelo contexto, o hábito e a
frequência com que se encontra pela disposição da personalidade e
sua experiência imediata.
Muitas palavras são vivenciada
como incompletas e exigem uma complementação por meio de outras
palavras, é que se costuma falar de algo como “valência das
palavras”. As valências das palavras, são um fator complementário
importante que determina a palavra necessária para uma determinada
mensagem.
O
desenvolvimento da palavra na criança
Como foi dito antes, toda
palavra inclui em sua composição dois componentes fundamentais: a
referência objetal que consiste em designar o objeto, o traço, a
ação ou relação; o outro componente é o significado. Este
corresponde a função de sepação de determinados traços do
objeto, sua generalização e a introdução do objeto em um
determinado sistema de categorias.
De acordo com as descobertas da
psicologia russa, a referência objetal da palavra e seu significado
não permanecem imutáveis ao longo do desenvolvimento infantil. Essa
mudança, Vygotsky denominou de desenvolvimento semântico e
sistêmico do significado da palavra. No desenvolvimento da criança
a referência objetal e seu significado não permanecem imutáveis,
mudam à medida que a criança se desenvolve. Por desenvolvimento
sistêmico da palavra, entende-se que por traz do significado da
palavra nas diferentes etapas do desenvolvimento da criança,
encontram-se diferentes processos psíquicos.
Foi Vygotsky que primeiro ligou
a questão do desenvolvimento da palavra com o desenvolvimento da
consciência. Sua teoria sobre o desenvolvimento do significado
semântico e sistêmico da palavra pode ser designada, ao mesmo
tempo, como a teoria do desenvolvimento semântico e sistêmico da
consciência. Junto ao conceito de significado na psicologia
contemporânea o conceito de sentido.
Por significado, entende-se, o
sistema de relações que se formou objetivamente no processo
histórico e social e que está encerrado na palavra. A palavra não
somente assimila um objeto determinado, mas também o analisa,
intrododuzindo-o em um siatema de enlaçes e relações objetivas É
assim que dominamos a experiência social, refletindo o mundo com
plenitude e profundidade diferentes.
O significado, é um sistema
estável de generalizaçoes que se pode encontrar em cada palavra,
igualmente para todas as pessoas. Pode ter diferentes graus de
profundidade, diferentes graus de generalização, diferentes
amplitude de alcance dos objetos por ele designado, mas, conserva um
núcleo permanente.
Por sentido da palavra
entende-se, significado individual da palavra, separado do sistema
objetivo de enlace que a envolve. Este tem relação com o momento e
a situação dados. A mesma palavra possui um significado formado
objetivamente ao longo da história e que, em forma potencial,
conserva-se para todas as pessoas, refletindo as coisas com diferente
profundidade e amplitude.. Porém, cada palavra tem um sentido, que
entende-se como a separação daqueles aspectos ligados à situação
dada e com as vivências afetivas dos sujeitos. O sentido, é o
elemento fundamental da utilização viva, ligada a uma situação
concreta afetiva, por parte do sujeito.
Na criança de 3,5-4 anos, já
está suficientemente formada a referência objetal da palavra. Isso
não significa dizer que a esta idade esteja acabado o
desenvolvimento da função designativa da palavra. No período que
vai desde a metade do primeiro ano de vida até 3,5-4anos, pode-se
observar a complexa história do desenvolvimento da função
designativa da palavra, sua referência objetal. Podemos acompoanhar
o desenvolvimento da referência objetal da palavra analisando como
a criança compreende as palavras e como as utiliza analisando a
linguagem passiva e ativa da criança. A referência objetal da
palavra só se forma gradualmente, que no início, entrelacam-se com
esta rferência objetal da palavra certos fatores não verbais,
simpráxicos, ou seja, que a criança utiliza as palavras em função
de uma série de fatores complementares, situacionais que mais
adiante deixam de influenciar.
BIBLIOGRAFIA
LURIA,
A. R. A palavra e sua
estrutura semântica.
In: Pensamento e
linguagem: as últimas conferências de Luria.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.
LURIA,
A. O desenvolvimento
do significado das palavras na ontogênese.
In: Pensamento e
Linguagem. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1986.
1Texto
elaborado para disciplina Fundamentos da Linguagem
2Professor
da Disciplina Fundamentos da Linguagem
parabéns pelo texto professor
ResponderExcluirparabéns pelo texto professor
ResponderExcluirMagnífico seu texto.
ResponderExcluir